Você pode ser demitida depois da licença-maternidade apenas quando terminar o período de estabilidade da gestante (que vai da confirmação da gravidez até 5 meses após o parto) e desde que não exista outra estabilidade aplicável nem qualquer traço de discriminação. Durante a licença (período de afastamento de 120 dias, ou 180 dias no programa Empresa Cidadã), a dispensa é proibida. Terminada a estabilidade e respeitadas as regras gerais (aviso-prévio, verbas rescisórias, FGTS, etc.), a demissão sem justa causa pode ocorrer — mas se houver indícios de motivo discriminatório, a dispensa pode ser anulada, com reintegração e indenizações. A seguir, explico passo a passo o que vale em cada fase, como identificar ilegalidades, quais direitos rescisórios se aplicam, como agir em caso de dispensa e trago uma tabela prática de cenários.

Linha do tempo da proteção: gravidez, licença e estabilidade

A proteção tem marcos diferentes e que muitas vezes são confundidos:

  1. Confirmação da gravidez
    Desde a confirmação da gestação até 5 meses após o parto, a dispensa sem justa causa é proibida. Esse é o período de estabilidade.

  2. Licença-maternidade
    A licença suspende o contrato por, em regra, 120 dias. Empresas no programa Empresa Cidadã ampliam para 180 dias. Durante a licença, não há trabalho e não pode haver dispensa.

  3. Fim da licença x fim da estabilidade
    Com licença de 120 dias, normalmente resta um mês de estabilidade após o retorno (até o 5º mês depois do parto). Com licença de 180 dias, a estabilidade (que cessa no 5º mês) termina ainda durante o afastamento; isso não autoriza demitir durante a licença, apenas significa que, tecnicamente, o impedimento constitucional acaba antes do retorno. A demissão só pode ser formalizada após o fim da licença — e sem qualquer viés discriminatório.

  4. Pós-estabilidade
    Encerrada a estabilidade (e a licença), a demissão sem justa causa é juridicamente possível, desde que a empresa cumpra todas as obrigações rescisórias e não haja outra estabilidade (por exemplo, acidente do trabalho, dirigente sindical, CIPA, pré-aposentadoria prevista em norma coletiva).

O que não pode acontecer durante e logo após a licença

Durante a licença e enquanto durar a estabilidade, é vedado:

• Demitir sem justa causa.
• Forçar “acordo” para desligamento.
• Rebaixar função ou cortar salário no retorno (inclusive retirar adicionais e comissões habituais sem base).
• Transferir a empregada de forma punitiva por causa da maternidade.
• Negar as pausas para amamentação (duas de 30 minutos até o bebê completar 6 meses, prorrogáveis por necessidade).
• Convocar reuniões obrigatórias ou impor “tarefas” durante a licença.

Logo após o retorno, mesmo fora da estabilidade, a empresa não pode praticar atos discriminatórios: a demissão baseada em maternidade, amamentação ou necessidade de cuidados com o bebê pode ser anulada.

Quando a demissão após a licença é ilegal

A dispensa é nula quando:

• Ocorre dentro da estabilidade (até 5 meses após o parto).
• Ocorre durante a licença (120/180 dias).
• É motivada por maternidade, amamentação, consultas pediátricas ou condição familiar (discriminação).
• Há outra estabilidade em curso (por exemplo, 12 meses após retorno de benefício acidentário; estabilidade de dirigente sindical ou de membro da CIPA; pré-aposentadoria prevista em norma coletiva).
• Viola normas coletivas (garantias de emprego temporárias após retorno, metas abusivas vedadas, multa por atraso em benefícios).
• Há redução ilícita de salário/variáveis ou rebaixamento de função sob pretexto de “readequação”.

Em qualquer desses casos, a resposta jurídica usual é reintegração com pagamento dos salários do período, manutenção dos benefícios e, conforme o contexto, danos morais.

Contratos por prazo indeterminado, experiência, prazo determinado e temporário

Contratos por prazo indeterminado
Regra mais comum. Estabilidade vale da confirmação da gravidez até 5 meses pós-parto. Após esse marco, a demissão sem justa causa é possível se não houver outra estabilidade e se não houver discriminação.

Experiência
A estabilidade da gestante também alcança o período de experiência. Se a experiência terminar durante a gestação/licença/estabilidade, a dispensa imotivada é vedada. Após a estabilidade, a empresa pode dispensar — sem traços de discriminação e com verbas integrais.

Prazo determinado “clássico”
Se o termo final ocorrer após o fim da licença e da estabilidade, o contrato pode se encerrar pelo prazo. Se o encerramento for usado como biombo para afastar a maternidade (por exemplo, não renovar apenas por causa da gestação), há risco de nulidade e indenização.

Trabalho temporário
A licença e os benefícios previdenciários são assegurados; a discussão sobre estabilidade varia conforme o caso. Se houver indícios de discriminação, discute-se indenização mesmo que o contrato seja temporário. Após a licença, as mesmas cautelas antidiscriminatórias se aplicam.

Retorno ao posto: garantia de função, salário e variáveis

No retorno, a empregada tem direito a:

• Reassumir a mesma função ou outra equivalente, sem rebaixamento.
• Receber o mesmo salário (fixo e variáveis habituais, como comissões, gratificações de função, médias de prêmios quando habituais).
• Pausas para amamentação (duas de 30 minutos, até 6 meses, prorrogáveis por necessidade clínica).
• Adaptações razoáveis se houver recomendação médica (mudança de posto, redução de exposição a riscos, teletrabalho quando cabível e acordado).

Retirar gratificação de função ou reduzir comissões logo após a licença, sem causa objetiva, costuma ser visto como retaliação. Se ocorrer e a seguir vier a demissão, o conjunto probatório pode evidenciar discriminação.

Outras estabilidades que podem “se somar” depois da licença

Mesmo terminado o marco de 5 meses após o parto, verifique se você tem:

• Estabilidade por acidente/doença do trabalho: 12 meses após retorno de benefício acidentário.
• Estabilidade de dirigente sindical: desde o registro da candidatura até um ano após o término do mandato.
• Estabilidade de membro da CIPA: desde o registro da candidatura até um ano após o fim do mandato.
• Estabilidade de pré-aposentadoria prevista em norma coletiva: usualmente 12 a 24 meses antes de cumprir requisitos, se pactuada.
• Estabilidades específicas convencionadas (ex.: garantia de emprego por “x” meses após retorno da licença).

Se alguma delas existir, a dispensa sem justa causa é vedada enquanto durar a proteção.

O que caracteriza dispensa discriminatória no pós-licença

A discriminação nem sempre vem “declarada”. Sinais típicos:

• Demissão imediatamente no retorno, sem motivo operacional documentado.
• Rebaixamento, corte de variáveis ou retirada de carteira de clientes logo após a licença, seguidos de dispensa.
• Comentários, mensagens ou políticas internas que punam amamentação, consultas pediátricas ou o exercício das pausas.
• Mudança de metas para patamar inatingível somente para a retornante.
• Seleção de cortes focada em quem retornou da maternidade.

Quando há indícios consistentes, os tribunais costumam exigir da empresa prova de motivo técnico legítimo (ônus dinâmico da prova). Se não houver, a dispensa é anulada.

Direitos rescisórios se a dispensa após a licença for lícita

Encerrada a estabilidade e inexistindo outra proteção, a demissão sem justa causa exige o pagamento de:

• Aviso-prévio (trabalhado ou indenizado, proporcional ao tempo de serviço).
• Saldo de salário.
• Férias vencidas + 1/3 e férias proporcionais + 1/3.
• 13º salário proporcional.
• Depósitos de FGTS e multa de 40%.
• Eventuais prêmios/comissões habituais até a data da rescisão (e médias, quando aplicável).
• PLR proporcional se prevista em norma coletiva aplicável e se atendidos os requisitos.
• Fornecimento das guias (FGTS/seguro-desemprego, conforme o caso).
• Opção de manutenção do plano de saúde empresarial às expensas da empregada, quando a empresa custeava parte do plano e a dispensa foi sem justa causa (regra de continuidade da saúde suplementar), observadas as condições e prazos de cada contrato.

Se alguma dessas parcelas for omitida ou paga a menor, cabe ação para cobrar diferenças e multas cabíveis.

Se a dispensa for ilícita: reintegração, indenização e danos

Identificada nulidade (estabilidade ainda vigente, discriminação, outra estabilidade, violação de norma coletiva):

• Reintegração ao emprego: com restabelecimento de função, salário e benefícios, e pagamento dos salários desde a dispensa (salários vencidos).
• Indenização substitutiva: quando o retorno é inviável, paga-se o período protegido (por exemplo, da dispensa até 5 meses após o parto, ou o restante de outra estabilidade), com reflexos.
• Danos morais: se houver humilhação, retaliação, exposição vexatória ou violação da dignidade.
• Multas normativas: se cláusulas coletivas foram descumpridas (como garantia de emprego por “x” meses após retorno).
• Obrigação de não fazer: cessar práticas abusivas (ex.: proibir reuniões dentro das pausas de amamentação).

Teletrabalho, amamentação e direito à desconexão

Muitas mães retornam em regime remoto ou híbrido. Pontos práticos:

• As pausas de amamentação se aplicam também ao teletrabalho; não são “absorvidas” pela flexibilidade do home office.
• Ferramentas de controle (VPN, chats, videoconferências) evidenciam jornada. Reuniões que “invadem” as pausas podem gerar pagamento do período suprimido.
• Canais de mensagem fora do expediente não podem converter-se em obrigação de disponibilidade 24/7.
• É recomendável pactuar janelas de trabalho que respeitem as necessidades de amamentação e cuidado com o bebê, quando possível.

Tabela prática de cenários no pós-licença

CenárioPode demitir?O que observarDireito provável
Licença de 120 dias, parto em 10/01, retorno em 10/05Não até 10/06 (5 meses pós-parto)Estabilidade até 10/06Demissão antes disso é nula; após, só sem discriminação
Licença de 180 dias (Empresa Cidadã), parto em 10/01, retorno em 10/07Estabilidade cessa em 10/06, masNão pode demitir durante a licença (até 10/07)Após 10/07 é possível, sem discriminação e com verbas integrais
Retorno com pausas de amamentação e corte de variáveisSó se houver motivo técnico legítimoCortes e rebaixos indicam retaliaçãoPode haver nulidade e dano moral
Retorno e outra estabilidade (CIPA, acidentária, pré-aposentadoria)NãoChecar prazos de cada estabilidadeReintegração/indenização se dispensar
Retorno com demissão no 1º dia sem justificativaEm regra, suspeitaIndícios de discriminaçãoÔnus da empresa provar motivo técnico

Estudos de caso ilustrativos

Caso 1 – Demissão no primeiro dia de retorno
Empregada retorna da licença de 120 dias em uma segunda-feira; na terça-feira, é dispensada sem causa, sem reestruturação documentada e com mensagens prévias de incômodo pela necessidade de pausas para amamentação. Resultado típico: dispensa anulada por discriminação, reintegração com salários do período e obrigação de respeitar as pausas.

Caso 2 – Empresa Cidadã e dispensa um dia após o retorno
Parto em março, licença de 180 dias até setembro; estabilidade terminou em agosto, ainda durante a licença. A empresa demite em 11 de setembro, dia seguinte ao retorno, alegando enxugamento de quadro, com ata de reestruturação anterior à volta e lista objetiva de cortes por área. Se a prova for coerente e não houver outra estabilidade, a dispensa tende a ser válida, com pagamento integral das verbas.

Caso 3 – Rebaixamento e corte de comissões
Bancária retorna, perde a carteira de clientes mais rentável e, em 30 dias, é dispensada por “baixo resultado”. Sem alteração estrutural e com e-mails citando a “incompatibilidade” das pausas de amamentação com as metas. Tendência: nulidade da dispensa por viés discriminatório, restabelecimento de variáveis no período e dano moral.

Como agir se você foi dispensada após a licença

  1. Verifique as datas
    Anote data do parto, fim da licença e marco de 5 meses após o parto. Confirme se havia outra estabilidade.

  2. Organize documentos
    Carta de dispensa, aviso-prévio, TRCT, contracheques, mensagens, atas internas, escalas, comunicações sobre pausas de amamentação, eventuais políticas de reestruturação.

  3. Identifique indícios de discriminação
    Rebaixamentos, cortes seletivos, comentários, e-mails. Monte uma linha do tempo.

  4. Procure orientação jurídica
    Avalie pedido de tutela de urgência para reintegração (se a estabilidade ainda vigia) ou pedido de nulidade/discriminação com indenizações.

  5. Não aceite “acordos” lesivos
    Propostas de “quitação geral” em troca de valores reduzidos costumam não refletir o real alcance dos seus direitos.

  6. Acompanhe verbas e prazos
    FGTS, multa de 40%, guias de seguro-desemprego (quando cabível), prazo para quitação e homologação. Guarde comprovantes.

Como as empresas podem cumprir a lei e evitar litígios

• Planejar a cobertura da licença com antecedência e sem penalizar a retornante.
• Garantir retorno à função original ou equivalente, com mesma remuneração.
• Formalizar reestruturações com critérios objetivos (antes do retorno) e registrar as justificativas técnicas de eventuais cortes.
• Treinar lideranças para respeitar pausas de amamentação e direito à desconexão.
• Mapear estabilidades cumuláveis (CIPA, sindical, acidentária, pré-aposentadoria) antes de decidir por desligamentos.
• Negociar ajustes razoáveis de jornada ou posto quando houver indicação médica.
• Responder por escrito a solicitações da empregada e do sindicato, evitando “ruído probatório”.

Perguntas e respostas

Posso ser demitida no dia seguinte ao fim da licença?
Pode ser juridicamente possível se a estabilidade já terminou (5 meses pós-parto), não houver outra estabilidade e não houver discriminação. Mas a proximidade temporal sem justificativa objetiva levanta suspeita: a empresa deve provar motivo técnico legítimo.

Se a empresa participa do Empresa Cidadã (180 dias), posso ser demitida antes de voltar?
Não. Durante a licença a dispensa é proibida. O que muda é que a estabilidade constitucional (5 meses) termina antes do fim da licença, mas a empresa só pode formalizar uma dispensa — se lícita — após o retorno.

Terminei a estabilidade, mas preciso das pausas para amamentação. Podem me demitir por isso?
Não. Dispensar por causa das pausas é discriminatório. A dispensa pode ser anulada, com reintegração e indenização.

Voltei e tiraram minha função e gratificação. É legal?
Em regra, não. Rebaixamento e corte de variáveis habituais sem causa objetiva configuram alteração lesiva. Se vier seguido de dispensa, reforça a presunção de discriminação.

Tenho outra estabilidade (CIPA, acidentária, pré-aposentadoria). Podem me demitir?
Enquanto a outra estabilidade estiver vigente, a demissão sem justa causa é proibida. A dispensa é nula e gera reintegração ou indenização.

Fui demitida legalmente após a licença. Quais verbas devo receber?
Aviso-prévio, saldo de salário, férias vencidas e proporcionais + 1/3, 13º proporcional, FGTS + 40%, guias de seguro-desemprego (se cabível) e médias de variáveis habituais. PLR proporcional quando prevista pela norma coletiva.

A empresa pode me obrigar a assinar um acordo para “evitar problemas”?
Você não é obrigada. Evite assinar quitações amplas sem análise técnica — muitas vezes não refletem seus reais direitos.

E se eu estiver em contrato de experiência?
A estabilidade também protege a gestante em experiência. Após o fim da estabilidade e da licença, a dispensa pode ocorrer, mas não pode ser discriminatória e deve pagar todas as verbas.

Estou em teletrabalho. As pausas de amamentação valem?
Sim. As duas pausas de 30 minutos diários (prorrogáveis por necessidade) continuam obrigatórias, inclusive no home office.

Se eu tiver doze meses de estabilidade acidentária após retorno do INSS, posso ser demitida depois da licença?
Não sem justa causa, enquanto durar a estabilidade acidentária. A dispensa seria nula.

Conclusão

A resposta curta é: sim, a demissão após a licença-maternidade pode acontecer — mas somente quando terminam a licença e a estabilidade da gestante, quando não há outra estabilidade aplicável e quando não há qualquer contaminação discriminatória na decisão empresarial. O fato de você ser mãe recente, amamentar ou precisar de consultas pediátricas não pode ser usado contra você. Por outro lado, terminado o período de proteção e inexistindo outra garantia de emprego, a lei permite a rescisão sem justa causa, desde que a empresa cumpra integralmente as verbas rescisórias e tenha, se questionada, uma justificativa técnica e documentada, alheia à maternidade.

Para a trabalhadora, o caminho prático passa por dominar as datas (parto, fim da licença, 5º mês pós-parto), mapear eventuais estabilidades cumuláveis, guardar documentos e mensagens, e agir rapidamente diante de sinais de retaliação — pedindo reintegração quando cabível e cobrando diferenças e indenizações em caso de abuso. Para as empresas, a prevenção é simples e eficaz: planejar a cobertura da licença, respeitar o retorno à função e às variáveis, cumprir pausas e jornadas, documentar reestruturações e treinar lideranças. Onde a maternidade é vista como fator de exclusão, a Justiça corrige o curso com reintegrações e indenizações; onde o respeito prevalece, a volta ao trabalho é segura, digna e juridicamente tranquila para todos os envolvidos.

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