É possível reconhecer judicialmente o “falso cargo de confiança” quando o empregado recebe um título de chefia, mas não exerce, na prática, poderes reais de gestão nem preenche os requisitos legais (como fidúcia especial e diferença salarial mínima exigida), mantendo, por isso, o direito ao controle de jornada, às horas extras (inclusive 7ª e 8ª horas no caso de bancários), aos intervalos e a todos os reflexos. Na prática, isso significa reclassificar o trabalhador como não enquadrado nas exceções de jornada, condenando o empregador ao pagamento das diferenças com férias + 1/3, 13º, DSR e FGTS.
Chama-se de falso cargo de confiança o enquadramento formal do empregado como gerente, coordenador, líder ou similar, sem que ele detenha autonomia decisória e poderes típicos de gestão (mandar, substituir chefia, aplicar sanções, aprovar operações relevantes, gerir orçamento, definir escala), e sem atender aos critérios remuneratórios objetivos exigidos pela lei. Essa prática transfere para o trabalhador encargos e riscos sem lhe dar as contrapartidas legais, como a exclusão lícita do regime de controle de jornada. Na Justiça do Trabalho, a desclassificação desse rótulo gera pagamento de horas extras, adicional noturno quando for o caso, intervalo suprimido e reflexos.
A CLT exclui do regime de jornada os “exercentes de cargos de gestão”, equiparando-lhes diretores e chefes de departamento ou filial. Mas há um filtro objetivo: o salário do cargo de confiança — incluindo a gratificação de função, se houver — deve superar o salário do cargo efetivo em, no mínimo, 40%. Se essa diferença não existir, o empregado volta ao regime comum de jornada, com controle de ponto e horas extras.
Para bancários, a regra é ainda mais específica: a jornada normal é de 6 horas diárias e 30 semanais, sendo possível o enquadramento no cargo de confiança bancário quando houver fidúcia especial e gratificação de função não inferior a um terço (1/3) do salário do cargo efetivo; na ausência desses requisitos, a 7ª e a 8ª horas são devidas como extras. A jurisprudência trabalhista reforça o ponto ao exigir prova efetiva da fidúcia especial e ao deixar claro que a nomenclatura não basta.
A lei não basta por si: é necessário que, na realidade, o ocupante do suposto cargo de confiança atue como verdadeiro representante do empregador, com poder diretivo sobre pessoas e processos, e capacidade de influenciar resultados, coordenar atividades, fiscalizar tarefas e responder por unidades. Esse desenho — geralmente associado a autonomia, alçada decisória e responsabilidade por resultados — é o que se chama de “fidúcia especial”. Sem isso, a mera confiança ordinária inerente a qualquer contrato de trabalho não altera o regime de jornada.
Exemplos concretos de fidúcia especial: poder de aplicar advertências e suspensões; autorizar descontos e concessões relevantes; aprovar horas extras da equipe; decidir férias; comandar orçamento e metas; representar a empresa perante auditorias; responder pelo turno/unidade na ausência do superior imediato. Se o trabalhador apenas cumpre metas, distribui tarefas determinadas por terceiros, ou “lidera tecnicamente” sem poder disciplinar ou decisório, a fidúcia tende a ser considerada insuficiente.
Alguns indícios práticos ajudam a identificar o problema:
Ausência de subordinados formais.
Nenhuma alçada para aprovar despesa, conceder desconto, aplicar penalidade.
Jornada rigidamente controlada (ponto eletrônico) e necessidade de “pedir autorização” para tudo.
Remuneração sem o plus mínimo (40% para o art. 62, II, e 1/3 para bancários).
Atividades essencialmente técnicas ou de vendas, com título pomposo, mas sem comando real.
Metas e processos ditados por superiores para mera execução, sem espaço de gestão.
Se não se comprovam os requisitos do cargo de confiança, o trabalhador permanece sujeito ao regime geral de jornada (8 horas diárias e 44 semanais, salvo norma coletiva diversa), com direito:
Ao pagamento de horas extras além dos limites legais/contratuais, com adicional mínimo de 50% e reflexos em DSR, férias + 1/3, 13º e FGTS quando habituais.
Ao adicional noturno sobre as horas entre 22h e 5h (hora reduzida), inclusive na prorrogação da jornada noturna.
À indenização por supressão do intervalo intrajornada e respeito ao intervalo interjornada de 11 horas.
Para bancários, sem fidúcia especial e sem a gratificação mínima de 1/3, a 7ª e a 8ª horas são extraordinárias, com os mesmos reflexos.
No regime do art. 62, II, a diferença de 40% atua como requisito objetivo para afastar o controle de jornada. Na prática, empresas pagam essa diferença via “gratificação de função” ou elevando o salário. Se o ajuste não alcançar 40%, o empregado não se enquadra na exceção e conserva o direito às horas extras.
Já a chamada “incorporação da gratificação” — tradicionalmente protegida pela Súmula 372 do TST para quem a recebe por 10 anos ou mais — sofreu impactos após a Reforma Trabalhista, que passou a prever a não incorporação, independentemente do tempo. A jurisprudência recente tem decisões em sentidos distintos, discutindo a aplicação temporal da nova regra, a proteção de situações consolidadas e a compatibilidade com o princípio da estabilidade financeira.
Bancários em funções sem fidúcia especial são regidos pela jornada de 6 horas diárias e 30 semanais. A exceção do § 2º do art. 224 exige tanto a fidúcia quanto a gratificação de, no mínimo, 1/3 do salário do cargo efetivo. Se faltar qualquer desses requisitos, são devidas 7ª e 8ª horas como extras, inclusive com adicional noturno se houver labor nesse período. Nessas causas, organogramas, alçadas de aprovação e controle de ponto são provas decisivas.
Além do setor bancário, o problema é comum em varejo (“gerente de loja” sem subordinados), call centers (“coordenador” que só monitora scripts), saúde (“chefe de setor” que não assina escala nem aplica sanções), tecnologia (“líder técnico” sem poder disciplinar) e indústria (“supervisor” que apenas repassa ordens). Em todos, a pergunta-chave é a mesma: há poderes reais de gestão e a diferença remuneratória mínima? Se não, a exceção de jornada tende a ser afastada.
Em regra, cabe à empresa demonstrar o fato impeditivo do direito do autor (o exercício efetivo do cargo de gestão que afastaria horas extras), enquanto o empregado deve provar a jornada efetiva e as atividades desempenhadas.
Na prática, colha e organize:
Contracheques com rubricas (gratificação, comissões, extras).
Ponto/espelhos de jornada, logs de sistema, e-mails e mensagens fora do expediente.
Organogramas, alçadas, políticas internas e procurações.
Convenções coletivas aplicáveis.
Testemunhas que conheçam a rotina.
| Critério | Como verificar | Evidências favoráveis ao cargo de confiança verdadeiro | Indícios de falso cargo de confiança | Consequência jurídica |
|---|---|---|---|---|
| Poder disciplinar | Pode advertir/suspender? Decide férias/escala? | Documentos de RH assinados pelo ocupante | Tudo precisa de aval de terceiro | Sem poder disciplinar, a fidúcia não se configura |
| Alçada decisória | Autoriza despesas e concessões? | Tabelas de alçadas assinadas | Aprovação sempre por outro gestor | Sem alçada, a autonomia é aparente |
| Representação | Responde pela unidade/turno? | Ordens de serviço e substituição formal | Sempre subordinado direto | Indício de que não é alter ego do empregador |
| Subordinados | Equipe própria e metas avaliadas? | Fichas de avaliação assinadas | Nenhum subordinado formal | Sem equipe, não há gestão real |
| Remuneração | Diferença mínima legal | Contracheques mostram o plus exigido | Plus inexistente ou insuficiente | Sem o plus, volta o regime de jornada |
| Controle de jornada | Ponto dispensado? | Autonomia para gerir horários | Ponto rígido e autorização para sair | Controle estrito sugere ausência de gestão |
Gerente de loja sem equipe: realiza vendas, repõe estoque e reporta ao supervisor. Sem subordinados e sem gratificação adequada, terá direito às horas extras.
Gerente de relacionamento bancário: atende clientes, mas sem alçada de decisão e com gratificação menor que 1/3. Direito às 7ª e 8ª horas.
Coordenador de call center: executa scripts sem poder real. Configuração de falso cargo de confiança.
Líder técnico em TI: define soluções técnicas, mas sem poder disciplinar. Não há cargo de confiança verdadeiro.
Sou “gerente”, mas não decido férias nem aplico sanções. Tenho direito a horas extras?
Sim. Sem poderes reais de gestão e sem diferença remuneratória mínima, você permanece no regime de jornada comum.
Recebo gratificação, mas ela não chega a 40% acima do salário do cargo efetivo. Isso basta para descaracterizar o cargo de confiança?
Sim. A diferença de 40% é requisito objetivo; sem ela, aplica-se o regime comum de jornada.
No banco onde trabalho, sou chamado de “gerente”, mas minha gratificação é menor que 1/3. Posso pedir 7ª e 8ª horas?
Sim. Sem fidúcia especial e sem a gratificação mínima, a 7ª e a 8ª horas são devidas como extras.
Trabalhei mais de 10 anos com gratificação de função e a empresa cortou. Posso incorporar?
Depende do período. Há decisões que mantêm a incorporação quando o tempo foi anterior à Reforma Trabalhista, mas casos recentes aplicam a regra que veda a incorporação.
Trabalho em home office. Isso impede meu pedido de horas extras?
Não. O teletrabalho não elimina, por si só, o controle de jornada: logs de acesso e mensagens podem comprovar o excesso.
Tenho metas agressivas, mas sem poder de decisão. Isso ajuda a demonstrar o falso cargo?
Sim. Metas controladas sem autonomia reforçam a tese de falso cargo de confiança.
O “falso cargo de confiança” é uma prática recorrente nas relações de trabalho e gera grandes impactos para empregados e empregadores. Para que um cargo seja realmente de confiança, é necessário o exercício de fidúcia especial, poderes reais de gestão e o pagamento da diferença remuneratória mínima. Sem esses requisitos, o trabalhador continua protegido pelo regime de jornada, com direito a horas extras, adicionais e reflexos.
Do lado do empregado, é fundamental reunir provas da rotina real e da ausência de autonomia. Para as empresas, a melhor prática é alinhar nomenclatura, poderes e remuneração, evitando litígios. Assim, preserva-se a segurança jurídica e a dignidade do trabalhador, que é o centro do Direito do Trabalho.
11 de outubro de 2025
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