Demitir alguém durante tratamento médico pode ser ilegal, dependendo do contexto: se o contrato está suspenso por benefício do INSS (auxílio por incapacidade temporária), a dispensa sem justa causa tende a ser nula; se o tratamento decorre de acidente de trabalho, há estabilidade de 12 meses após o retorno; e se a doença é grave e estigmatizante (como câncer ou HIV), a dispensa presume-se discriminatória, cabendo reintegração e indenização. Fora dessas hipóteses, a dispensa sem justa causa pode ocorrer quando o empregado estiver apto e trabalhando, desde que não haja discriminação, abuso de direito ou violação de garantias específicas. A seguir, explico passo a passo como analisar a legalidade da dispensa, quais são os cenários mais comuns, o que pedir na Justiça e como reunir provas para maximizar as chances de reintegração ou indenização.
Tratamento médico abrange desde consultas e exames periódicos até terapias continuadas (fisioterapia, psicoterapia), internações, cirurgias, quimioterapia, radioterapia e reabilitação. Juridicamente, o que importa é se esse tratamento acarreta incapacidade para o trabalho e, com isso, desencadeia afastamento remunerado pelos primeiros 15 dias (paga o empregador) e, após, benefício do INSS (auxílio por incapacidade) que suspende o contrato. Se há incapacidade reconhecida, aplicam-se regras protetivas diferentes das de um acompanhamento sem afastamento.
Quando o empregado fica incapaz e recebe benefício previdenciário, o contrato de trabalho fica suspenso. Durante a suspensão, não há prestação de serviços nem pagamento de salário pela empresa (quem paga é o INSS), mas subsiste o vínculo. Nesse período, a dispensa sem justa causa é, em regra, inválida, pois o contrato está paralisado por determinação legal. A empresa só poderia aplicar justa causa por fato gravíssimo estranho à doença e devidamente comprovado, algo excepcional e que exige prova robusta.
A origem da incapacidade altera os direitos:
Doença comum
Há afastamento e benefício previdenciário quando a incapacidade ultrapassa 15 dias. Não existe estabilidade automática após o retorno, mas a dispensa durante a suspensão do contrato é tendencialmente nula. Após a alta, a dispensa pode ocorrer desde que não seja discriminatória nem viole outras garantias.
Acidente de trabalho ou doença ocupacional
Além da suspensão durante o benefício, o empregado tem estabilidade de 12 meses após a alta e retorno às atividades. Nesse período, a dispensa sem justa causa é inválida, salvo falta grave comprovada.
Há entendimento consolidado de que a dispensa de empregado com doença grave estigmatizante (como câncer e HIV) presume-se discriminatória. Isso significa que, mesmo sem afastamento pelo INSS, a rescisão é vista com desconfiança e o empregador passa a ter o ônus de provar que não houve discriminação. Em tais casos, são comuns decisões que determinam reintegração com pagamento de salários do período e, muitas vezes, indenização por dano moral.
Nos primeiros 15 dias de afastamento por doença, a empresa paga salário e o contrato não está, tecnicamente, suspenso. Ainda assim, demitir o empregado no meio de uma sequência de atestados que comprovem incapacidade tende a ser visto como abuso ou indício de discriminação, sobretudo se a empresa tinha ciência do tratamento e da evolução clínica. O risco jurídico é elevado, e muitos julgados convertem a dispensa em nula quando ela se vincula aos atestados de saúde.
A legislação exige exames admissionais, periódicos, de retorno ao trabalho e demissionais. O ASO (Atestado de Saúde Ocupacional) indica aptidão ou inaptidão. Demitir alguém durante tratamento enquanto o médico do trabalho aponta inaptidão ou necessidade de readaptação é cenário de alto risco para a empresa. Em caso de inaptidão no exame demissional, a dispensa não deveria se consumar; a recomendação técnica é manter o vínculo até a alta ou readaptar.
Ao retornar de tratamento, o empregado pode estar apto com restrições. A empresa deve buscar readaptação, realocação em posto compatível e medidas de acessibilidade. Negar sistematicamente a readaptação e, em seguida, demitir pode caracterizar abuso e discriminação, gerando reintegração e danos morais.
Dispensa durante a suspensão do contrato por benefício previdenciário
Contrato suspenso, dispensa sem justa causa é, em regra, nula.
Dispensa de empregado com doença ocupacional ou após acidente de trabalho durante a estabilidade de 12 meses
Nula, salvo justa causa comprovada.
Dispensa presumidamente discriminatória (doenças graves estigmatizantes)
Presunção favorável ao trabalhador; possível reintegração e danos morais.
Dispensa de empregado inapto no exame demissional ou em pleno tratamento com incapacitação reconhecida
Alto risco de nulidade.
Dispensa como retaliação ao uso de atestados ou ao exercício de direito (por exemplo, abertura de CAT ou pedido de benefício)
Indício de desvio de finalidade disciplinar e discriminação.
Empregado apto, em tratamento ambulatorial, sem incapacidade, trabalhando normalmente, e sem indícios de discriminação
A dispensa sem justa causa pode ocorrer, com pagamento das verbas rescisórias.
Empregado em tratamento, mas com justa causa provada
Excepcional e exige prova robusta, imediatidade, proporcionalidade e coerência procedimental.
Fim de contrato a termo, experiência legítima, sem fraude e sem estabilidade específica
Ainda assim, dispensas nesses cenários devem ser tratadas com cautela quando houver doença grave ou acidente.
| Cenário | Legalidade provável da demissão | Consequência comum | Estratégia do trabalhador |
|---|---|---|---|
| Em benefício do INSS (contrato suspenso) | Ilegal, salvo justa causa robusta | Nulidade e reintegração com salários do período | Juntar concessão do benefício e exames; pedir tutela de urgência |
| Acidente/doença do trabalho, pós-alta (12 meses) | Ilegal sem justa causa | Reintegração ou indenização substitutiva | Provar nexo, CAT, laudos; pedir estabilidade |
| Doença grave estigmatizante (sem suspensão) | Presume discriminação | Reintegração e danos morais | Exames, prontuário, histórico; impugnar motivo da dispensa |
| Atestados esparsos < 15 dias, sem incapacidade contínua | Pode ser válida, com risco | Verbas rescisórias devidas | Examinar indícios de abuso; negociar/acordar |
| Empregado apto e trabalhando, sem indícios de discriminação | Válida | Rescisão sem justa causa | Checar se há outras garantias (gestante, cipeiro etc.) |
| Inaptidão no exame demissional | Ilegal | Nulidade da dispensa | Requerer retorno/benefício; tutela para plano de saúde |
Reintegração com pagamento dos salários do período de afastamento indevido e restabelecimento de benefícios (plano de saúde, tíquetes, bônus por costume).
Indenização substitutiva quando o retorno é inviável ou indesejado: salários do período estabilitário (no acidentário), reflexos em férias + 1/3, 13º, FGTS, multa de 40% sobre depósitos que deveriam ter sido feitos.
Danos morais em hipóteses de dispensa discriminatória, retaliação, corte de plano de saúde em tratamento essencial ou violação grave da dignidade.
Obrigação de fazer: restabelecer plano de saúde, autorizar tratamentos, emitir CAT, corrigir ASO, emitir guias do FGTS/seguro-desemprego quando cabível.
Exames e laudos com datas, relatórios de acompanhamento, receitas, atestados com CID quando o trabalhador concordar em informar.
Comprovação do benefício do INSS (carta de concessão, extrato).
CAT, quando houver relação com o trabalho, e documentos de segurança (PCMSO, PPRA/PGR, ASO).
Comunicações internas: e-mails, mensagens, protocolos de entrega de atestados, pedidos de readaptação.
Exame demissional (ASO) que ateste aptidão/inaptidão.
Testemunhas que confirmem ciência da empresa e o contexto da dispensa.
Tutela de urgência para reintegração imediata e restabelecimento do plano de saúde quando o tratamento é essencial.
Pedidos principais: nulidade da dispensa, reintegração, salários vencidos, benefícios, FGTS, estabilidade de 12 meses (se acidentário) ou indenização substitutiva, conforme o caso.
Pedidos alternativos/subsidiários: se a reintegração não for possível, conversão em indenização, liberação de guias e multa de 40% do FGTS.
Danos morais, quando houver elementos de discriminação ou violação da dignidade.
Honorários e correção monetária conforme parâmetros usuais.
Cortar plano de saúde de empregado em pleno tratamento essencial, especialmente quando a dispensa é nula ou discriminatória, costuma ensejar tutela de urgência para manter/restabelecer o benefício. Mesmo quando há término válido do contrato, é possível avaliar a manutenção como beneficiário com custeio próprio, conforme regras de continuidade. Em disputas, decisões frequentemente priorizam a continuidade terapêutica para evitar risco à saúde.
Reintegração é indicada quando o empregado deseja manter o vínculo, preservar plano de saúde e estabilidade (no acidentário) e o ambiente de trabalho é viável.
Indenização é preferível se o retorno se tornou inviável, a relação rompeu-se de forma irremediável ou há risco de revitimização. Em acordos, parcela única pode contemplar salários, reflexos e danos morais.
Em tese, sim, mas é excepcional e exige prova muito consistente de falta gravíssima sem relação com a doença, além de imediatidade e proporcionalidade. Qualquer vínculo entre o fato punido e a condição clínica (por exemplo, condutas influenciadas por medicação ou transtorno documentado) deve ser cuidadosamente avaliado. A tendência é de controle judicial rigoroso.
Informações de saúde são sensíveis. O empregado pode optar por não divulgar CID em atestados apresentados ao RH, fornecendo apenas o tempo de afastamento. Quando necessário ao nexo ocupacional, o médico do trabalho trata os dados sob sigilo. Vazamentos ou exposição indevida da condição clínica podem gerar danos morais.
Junte documentos: laudos, atestados, exames, carta de concessão do INSS, CAT, ASO, e-mails.
Notifique a empresa por escrito, pedindo reconsideração, reintegração e manutenção do plano.
Procure orientação jurídica para ajuizar ação com tutela de urgência.
Escolha a estratégia: reintegração imediata ou indenização.
Cuide dos prazos: ação trabalhista deve ser proposta em até 2 anos do término do contrato; créditos alcançam os últimos 5 anos.
Quimioterapia em curso e demissão sem justa causa
Sem benefício do INSS, mas doença grave estigmatizante. Alta probabilidade de reconhecimento de discriminação, com reintegração, salários do período e danos morais.
Acidente de trabalho com cirurgia e reabilitação
Recebeu benefício e retornou. Demissão 3 meses após a alta. Nula: empregado tem estabilidade de 12 meses. Reintegração com salários devidos.
Depressão moderada, diversos atestados curtos, sem afastamento pelo INSS
Dispensa durante sequência de atestados. Avaliar indícios de retaliação. Sem eles, dispensa pode ser válida, mas o risco de condenação por abuso existe. Provas de acompanhamento e ciência da empresa fortalecem a tese do empregado.
Doença comum, benefício do INSS em manutenção e demissão
Contrato suspenso. Dispensa nula. Reintegração com tutela de urgência e restabelecimento do plano.
É sempre ilegal demitir alguém em tratamento médico?
Não. É ilegal, em regra, quando o contrato está suspenso por benefício do INSS, quando há estabilidade por acidente/doença ocupacional ou quando a doença grave torna a dispensa presumidamente discriminatória. Fora desses cenários, a dispensa pode ocorrer se não for discriminatória e se o empregado estiver apto.
Se eu estiver recebendo auxílio do INSS, posso ser demitido?
A dispensa sem justa causa é, em regra, inválida durante a suspensão do contrato por benefício. O comum é a Justiça determinar reintegração.
Tive acidente de trabalho e estou em reabilitação. Posso ser demitido depois que voltar?
Durante 12 meses após a alta, há estabilidade. Demissão nesse período sem justa causa costuma ser nula.
Tenho câncer/HIV e fui demitido. O que acontece?
A dispensa é presumida discriminatória. É comum a reintegração com pagamento de salários do período e danos morais.
A empresa pode cortar meu plano de saúde se eu estiver em tratamento?
Quando a dispensa é nula ou há risco à saúde, é frequente a determinação judicial de manter/restabelecer o plano. Mesmo em término válido de contrato, é possível avaliar continuidade como beneficiário, conforme regras aplicáveis.
E se o exame demissional me declarar inapto?
A dispensa não deveria se consumar. A Justiça tende a reconhecer a nulidade e determinar reintegração ou afastamento previdenciário.
Posso ser demitido no meio de uma sequência de atestados curtos?
É arriscado para a empresa. Sem indícios de discriminação, alguns casos validam a dispensa, mas a prova de retaliação ou abuso favorece a nulidade.
Quais documentos devo reunir para entrar com ação?
Exames, laudos, atestados, carta de concessão do INSS, CAT, ASO, e-mails e mensagens com RH, além de testemunhas.
Posso pedir danos morais?
Sim, sobretudo em dispensa discriminatória, corte indevido de plano em tratamento essencial ou exposição indevida da condição de saúde.
Qual a melhor estratégia: reintegração ou indenização?
Depende do seu interesse e do ambiente. Reintegração preserva benefícios e estabilidade; indenização encerra o vínculo e antecipa valores.
A pergunta “demissão durante tratamento médico é legal?” não tem resposta única, mas a lógica é clara: quando a lei protege a continuidade do vínculo — por suspensão do contrato, estabilidade acidentária ou presunção de discriminação — a dispensa é inválida e gera reintegração com pagamento de salários, restabelecimento de benefícios e, muitas vezes, indenização por danos morais. Em outras situações, a dispensa pode ocorrer, desde que o empregado esteja apto, não haja indícios de discriminação e sejam respeitadas as garantias específicas.
Para o trabalhador, o caminho seguro envolve documentar a condição de saúde, a incapacidade e a ciência da empresa; exigir medidas de readaptação quando cabíveis; e, se dispensado, acionar a Justiça com pedido de tutela de urgência para reintegração e manutenção do tratamento. Para o empregador, a boa-fé, o respeito às recomendações médicas e a observância das garantias legais são a melhor defesa contra litígios.
Em síntese, o ordenamento jurídico brasileiro privilegia a dignidade da pessoa humana e a proteção da saúde. Demitir em meio a tratamento, quando isso afronta essas balizas, transfere ao empregador um ônus probatório pesado e costuma resultar em nulidade da dispensa, recomposição integral de direitos e, em situações mais graves, condenação por dano moral.
11 de outubro de 2025
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