O acordo firmado em “CVV do banco” — mais corretamente conhecido no meio bancário como Comissão de Conciliação Voluntária (ou Comissão de Conciliação Prévia prevista em normas coletivas e na CLT) — pode gerar discussão judicial sobre indenização e outros direitos, seja para homologar e estabilizar um ajuste legítimo, seja para rever um termo que tenha sido celebrado com abusos, vícios de consentimento ou renúncias inválidas. Em linhas objetivas: o termo assinado na CVV tem força de título executivo e, em regra, quita as obrigações transacionadas; porém, se houver coação, fraude, simulação, erro substancial, quitação genérica sem lastro fático, descumprimento do objeto, ou renúncia a direitos indisponíveis, é possível pedir a anulação total ou parcial e buscar as verbas e indenizações devidas. A seguir, explico passo a passo como a CVV funciona no setor bancário, quando o acordo “fecha a porta” para novas ações, quando não fecha, quais provas importam, como estimar valores, que teses costumam prosperar e como estruturar uma ação trabalhista segura.
A Comissão de Conciliação Voluntária (CVV), no contexto bancário, é um mecanismo extrajudicial de solução de conflitos trabalhistas. Geralmente organizada por sindicatos da categoria e federações, ou prevista em instrumentos coletivos dos bancários, ela funciona como um balcão de negociação assistida entre empregado e empregador (ou ex-empregador). Na mesa, as partes podem transacionar diferenças salariais, horas extras, períodos de intervalo, bônus, prêmios, indenizações por dano moral, verbas rescisórias e outras questões pontuais do contrato.
O objetivo legítimo da CVV é encerrar litígios de forma rápida, com segurança jurídica mínima e recebimento mais ágil de valores. O instrumento típico é um Termo de Conciliação, que descreve fatos, parcelas, valores, forma de pagamento, natureza jurídica de cada verba, quitação e, quando há, ressalvas.
Qualquer bancário ou ex-bancário pode propor conciliação, diretamente ou por meio do sindicato. Na prática, há quatro momentos em que a CVV costuma ser cogitada:
Durante o contrato, para resolver controvérsias pontuais (horas extras, intervalos, metas e cobranças).
Na rescisão, para fechar um pacote mais amplo de verbas e encerramento do vínculo.
Após a rescisão, para transacionar diferenças e evitar processo.
Paralelamente a um litígio judicial, com vistas a acordo e homologação posterior.
Os temas mais frequentes no bancário: 7ª e 8ª horas (quando não configurado cargo de confiança), minutos residuais e tempo à disposição, intervalo intrajornada, metas abusivas e assédio (dano moral), diferenças de comissões, integração de prêmios, equiparação salarial, verbas rescisórias, estabilidade acidentária e doença ocupacional.
O termo da CVV, em regra, tem eficácia de título executivo e quita o que foi objetivamente transacionado. Mas a extensão dessa quitação varia conforme:
Conteúdo descritivo do termo
Quanto mais detalhada for a narrativa dos fatos e das parcelas, mais robusta tende a ser a quitação. Se o termo indica períodos, rubricas e critérios, a quitação tende a ser respeitada para aqueles itens.
Redação da cláusula de quitação
Há termos que falam em “quitação geral do contrato de trabalho”. Outros limitam a quitação ao objeto do acordo. A jurisprudência tem sido mais exigente com quitações genéricas sem lastro probatório ou sem equivalência econômica, admitindo discussão futura de parcelas não especificadas, sobretudo quando houver sinal de desigualdade na negociação.
Existência de ressalvas
Se o empregado faz ressalvas expressas (por exemplo, “não estão incluídas neste acordo as horas de sobreaviso entre tais datas” ou “reservo-me ao direito de postular danos morais por assédio no período X”), abre-se margem para ação posterior sobre os itens ressalvados.
Natureza das parcelas
Direitos de ordem pública, como medidas de saúde e segurança, podem ter grau menor de disponibilidade. Também se observa, caso a caso, se a transação encobriu renúncia a direito indisponível.
Em síntese: a quitação da CVV é respeitada quando o acordo é claro, proporcional e lícito; e pode ser relativizada quando o documento é genérico, desproporcional, obtido com vício ou silencia sobre parcelas relevantes que as evidências mostram existir.
Os principais fundamentos para atacar judicialmente um termo de conciliação são:
Coação ou pressão ilegítima
Ameaça de não pagar verbas incontroversas, chantagem com “lista negra”, imposição de assinatura sob pena de represália. Sinais: e-mails pressionando assinatura imediata, testemunhas que presenciaram ameaças, mensagens fora do horário com intimidação.
Erro substancial ou dolo
Informação falsa sobre cálculo, base remuneratória, média de comissões, existência de depósitos de FGTS, ou ocultação de documentos essenciais. Sinais: divergência entre o termo e os contracheques, auditorias internas, holerites e DSRs.
Simulação e fraude
Acordo “de fachada” para apagar provas (por exemplo, quitar horas extras com valor irrisório e contrapartida fora dos autos, ou com promessa verbal não cumprida).
Renúncia a direitos indisponíveis
Cláusulas que tentam “zerar” obrigações legais de saúde e segurança, ou que esvaziam garantias mínimas.
Desequilíbrio gritante entre o dano e o valor pago
Indenização simbólica para casos graves de adoecimento ocupacional ou assédio, sem qualquer respaldo técnico.
Descumprimento do próprio termo
Parcelas não pagas, mora relevante, multas não honradas e condições não cumpridas autorizam a execução do título e, em certos casos, a revisão do ajuste.
Quando o termo é válido e específico, os itens expressamente pagos e descritos tendem a permanecer quitados. Exemplo: se o acordo contemplou “horas extras de 01/2022 a 12/2023 com adicional de 50%, apuradas por espelho de ponto, no valor de R$ X”, é difícil rediscutir esse exato período e rubrica — salvo vício. Já períodos distintos, rubricas não tratadas (como intervalo interjornada ou tempo de deslocamento interno) e danos morais não mencionados podem ser objeto de nova demanda, desde que não haja cláusula de quitação geral robusta e que a prova aponte fatos diferentes.
Pré-negociação informada
Levantar holerites, ponto, metas, e-mails, políticas internas, extratos de FGTS e qualquer elemento que mostre a realidade do trabalho.
Valoração técnica
Se possível, fazer uma prévia de cálculos (horas extras, diferenças de comissões, reflexos) para dimensionar o valor de referência.
Redação transparente
O termo deve discriminar rubricas, períodos, bases de cálculo e natureza de cada verba (salariais x indenizatórias).
Quitação delimitada
Preferir quitação limitada ao objeto do acordo, com ressalvas claras sobre o que não foi tratado.
Condições de pagamento
Prever datas, forma de pagamento, multa e correção em caso de atraso.
Acompanhamento sindical ou advocatício
Assistência técnica reduz assimetria e tende a blindar o acordo contra futuras alegações de vício.
Fortalecem a validade:
• Termo detalhado e congruente com documentos.
• Assistência sindical efetiva, com registro de esclarecimentos.
• Cálculos anexos ou memória de cálculo.
• Pagamento pontual por meio rastreável.
Fragilizam a validade:
• Termo genérico com “quitação total” desconectada dos fatos.
• Assinatura sob pressão, em ambiente de medo, sem tempo para leitura.
• Ausência de documentos essenciais na mesa (pontos, holerites, extratos).
• Valores manifestamente desproporcionais ao dano.
• Descumprimento do próprio termo (mora, parcelas em atraso, descontos indevidos).
No bancário, muitas conciliações tratam de jornadas estendidas, metas abusivas, cobranças em grupos de mensagens, supressão de pausas e até adoecimento psíquico. Ao levar o tema à CVV, é crucial diferenciar:
• Reconhecimento de horas extras (medível, com base em ponto, agendas e logs).
• Reparação moral por assédio e humilhações (qualitativo, com mensagens, testemunhos e atestados).
• Dano existencial (comprometimento da vida privada, perda de projetos pessoais por sobrecarga).
• Doença ocupacional (nexo e concausalidade com o trabalho, estabilidade pós-retorno e pensão quando há redução de capacidade).
Misturar tudo em uma única “bolada” sem discriminar rubricas facilita futuras discussões judiciais. Discriminar reforça a validade.
Há três arranjos frequentes:
Empregado direto do banco
O próprio banco é parte na conciliação e assume as obrigações do termo.
Terceirizado alocado ao banco
Em regra, a empregadora direta assina, e o banco pode figurar como interveniente anuente. Se a terceirizada não pagar, discute-se responsabilidade subsidiária do banco.
Correspondentes e parceiros
Quando há subordinação direta ou fraude de intermediação, pode-se buscar o reconhecimento de vínculo com o banco. Em conciliações, prever expressamente como ficam as responsabilidades reduz o risco de litígios.
Problema identificado | Risco principal | Saída preventiva | Remédio se já assinou |
---|---|---|---|
Quitação genérica e valores baixos | Perder direito de discutir verbas relevantes | Delimitar quitação ao objeto; inserir ressalvas | Ação anulatória por vício/declaração de ineficácia da quitação genérica |
Falta de documentos base | Cálculo subestimado e renúncia involuntária | Exigir pontos, holerites, extratos | Provar erro substancial; exibir documentos posteriormente |
Pressão para assinar | Vício de consentimento | Adiar, registrar a pressão, pedir assistência | Ação anulatória por coação; danos morais se comprovado abuso |
Não pagamento ou atraso | Inadimplemento | Cláusula de multa e correção | Execução do título; conversão em judicial com bloqueio |
Mistura de verbas sem discriminar | Insegurança jurídica | Discriminar rubricas e natureza | Reabrir discussão do que não foi especificado |
Jornada
Mapeie a jornada real (ponto, agendas, e-mails). Identifique horas além da 6ª diária no bancário quando não houver cargo de confiança conforme os requisitos legais.
Intervalos
Verifique supressões ou fracionamentos do intrajornada e, conforme a época, aplique a regra indenizatória correspondente.
Reflexos
Horas extras repercutem em DSR, férias + 1/3, 13º, FGTS e aviso. Calcule com base na média mensal de horas.
Danos morais e existenciais
Não há tabela fixa. Avalie gravidade, duração, prova, capacidade econômica, efeito pedagógico. Em conciliações, use intervalos de referência compatíveis com o histórico do foro.
Doença ocupacional
Se houver, estime despesas médicas, lucros cessantes e, quando aplicável, pensão mensal proporcional à redução de capacidade.
Natureza jurídica
Defina o que é salarial (incide INSS/FGTS) e o que é indenizatório (pode incidir IR conforme o caso). Em conciliações, ressalte a natureza para reduzir controvérsia tributária.
A CLT permite acordo extrajudicial com homologação judicial. Em disputas complexas (grandes valores, doença ocupacional, estabilidade, cessação de práticas abusivas), pode valer a pena levar o ajuste para homologação judicial, com assistência de advogados distintos e controle de legalidade pelo juiz. Isso aumenta a segurança e a executoriedade, sobretudo quando há obrigações de fazer (realocação, restrição de cobranças, emissão de documentos).
Há quem confunda a CVV com a quitação anual de obrigações ou com rotinas rescisórias. São institutos diferentes. A CVV é uma mesa de conciliação sobre controvérsias concretas; a quitação anual é instrumento de regularidade periódica; e a rescisão (TRCT) documenta o término do contrato. A força liberatória do termo de conciliação decorre do acordo específico. Já recibos rescisórios em geral dão quitação apenas das parcelas discriminadas. Essa distinção importa para saber o que foi efetivamente “fechado” e o que não foi.
Estratégia básica:
Linha do tempo
Reconstrua a cronologia: contexto do trabalho, negociação, assinatura, pagamento (ou não) e fatos posteriores.
Prova do vício
Mensagens de pressão, falta de assistência, equívocos de cálculo, ocultação de documentos.
Métrica do dano
Mostre a distância entre o que foi pago e o que seria devido, com cálculos demonstrativos.
Pedidos
Anulação parcial ou total; recebimento das diferenças; indenização por danos (inclusive morais) pelo abuso na negociação; tutela de urgência para assegurar pagamento ou cessar práticas.
Plano B
Se a anulação integral for arriscada, peça ao menos a desconstituição da quitação geral, mantendo o que foi pago e abrindo a porta para discutir o remanescente.
Gerente sem fidúcia especial assina acordo prevendo “quitação geral do contrato” por valor único, sem memória de cálculo. Depois obtém relatórios de ponto que mostram sobrejornada crônica por três anos.
Tese: anulação parcial da quitação geral por ausência de especificação e desproporção do valor, com cobrança das horas excedentes em períodos não contemplados de forma clara no termo.
Bancária com atestados por transtorno ansioso faz acordo na CVV recebendo valor exclusivamente a título de “verbas salariais”, sem uma linha sobre o dano moral. Persistem prints de cobranças humilhantes e ranking vexatório.
Tese: ação autônoma por dano moral e existencial, porque a transação não abordou a matéria, nem há declaração inequívoca de quitação sobre danos extrapatrimoniais.
Em rescisão coletiva, empregados são chamados a assinar no mesmo dia acordos predefinidos, sem documentos, com advertência implícita de “quem não assinar pode ter complicações”.
Tese: anulação por coação, com produção de prova testemunhal e documental; condenação em danos morais pela pressão ilegítima; recebimento de diferenças calculadas.
Atendente de cobrança terceirizado assina acordo com a empregadora direta, mas as parcelas não são pagas.
Tese: execução do título e responsabilização subsidiária do banco tomador, com constrição de valores em caso de insolvência da terceirizada.
A CVV do banco quita “tudo” automaticamente?
Não. Em regra, quita o que foi transacionado. Quitação genérica sem base fática e sem proporcionalidade pode ser relativizada judicialmente.
Posso discutir dano moral por assédio depois de um acordo que só pagou horas extras?
Sim, se o termo não contemplou o tema e não há quitação expressa sobre danos extrapatrimoniais, especialmente quando existirem provas robustas do assédio.
Assinei pressionado. Consigo anular?
É possível, desde que você comprove coação, erro, dolo ou desproporção evidente entre o valor pago e o direito renunciado, além de ausência de assistência adequada.
E se o banco não cumprir o acordo?
O termo é título executivo. Você pode executar diretamente, pedindo bloqueio de valores, multa e correção. Se houver terceirização, pleiteia-se a responsabilidade do tomador.
Quitação geral é sempre válida?
Depende da clareza do termo e da equivalência econômica. Quanto mais genérica e desconectada dos fatos, maior a chance de o Judiciário restringir seus efeitos.
Metas e cobranças abusivas entram na CVV?
Entram, mas recomenda-se discriminar verbas por natureza (salariais e indenizatórias) e, se houver adoecimento, considerar perícia e/ou homologação judicial do acordo.
Sou terceirizado. O banco responde?
Em regra, subsidiariamente, pelo período em que houve prestação, se a empregadora direta não pagar. Se houver fraude ou subordinação direta, pode-se buscar vínculo ou responsabilização mais intensa.
É melhor CVV ou acordo judicial?
Depende do caso. Para temas simples e bem documentados, a CVV é célere. Para casos complexos (doença ocupacional, assédio grave, estabilidade), a homologação judicial pode ser mais segura.
Posso fazer ressalvas no termo?
Sim. É saudável indicar o que não está sendo tratado, para evitar discussão futura sobre extensão da quitação.
Se eu perder a ação anulatória, o que acontece com o que recebi?
Em geral, o que já foi recebido permanece, salvo fraude comprovada. O risco maior é não obter as diferenças pretendidas.
A conciliação em CVV do banco é uma ferramenta útil para dar fim a conflitos trabalhistas, desde que respeite limites de legalidade, proporcionalidade e transparência. O termo bem redigido — com rubricas discriminadas, períodos definidos, bases de cálculo indicadas, natureza jurídica clara e quitação delimitada — costuma ser respeitado e reduz a litigiosidade. Por outro lado, acordos genéricos, assinados sob pressão e sem lastro documental, abrem espaço para revisão judicial, sobretudo quando escondem renúncias incompatíveis com a lei ou valores manifestamente insuficientes diante do dano.
Se você é bancário ou ex-bancário e cogita a CVV, a ordem é simples: informe-se, levante seus documentos, faça uma estimativa técnica de valores, peça assistência qualificada e, se possível, delimite a quitação ao que realmente está sendo resolvido. Se já assinou e se arrependeu, ainda há caminhos: avalie com rigor a existência de vícios, desproporções e omissões relevantes; estruture a prova; e escolha entre anulação total, anulação parcial ou execução do termo, conforme o problema detectado. No fim, conciliar não é capitular: é construir, com método e transparência, uma solução que faça justiça aos fatos e resguarde sua dignidade — inclusive com indenização, quando a conduta empresarial, durante o contrato ou na mesa da CVV, tiver ultrapassado a linha do aceitável.
18 de setembro de 2025
4 de setembro de 2025
4 de setembro de 2025
4 de setembro de 2025
2 de setembro de 2025
2 de setembro de 2025