burnout em bancários pode ser reconhecido como doença ocupacional quando houver nexo (causal ou concausal) com o trabalho, o que gera um pacote robusto de direitos: emissão de CAT, benefício por incapacidade de natureza acidentária pelo INSS, estabilidade de 12 meses após o retorno do benefício, custeio de tratamento quando houver culpa do empregador, readaptação ao posto, indenizações por dano moral e material, pagamento de horas extras e intervalos suprimidos (se o adoecimento decorreu de metas abusivas e extrapolação de jornada), nulidade de punições, e até rescisão indireta em hipóteses graves. O banco tem dever legal de prevenir riscos psicossociais, organizar metas de modo saudável, respeitar a jornada (6 horas para a maioria dos bancários) e a desconexão. A seguir, explico passo a passo como identificar o burnout, como provar, quais direitos concretos surgem, como calcular e como agir.
Burnout é um fenômeno ocupacional resultante de estresse crônico no trabalho que não foi adequadamente gerenciado. No universo bancário, alguns fatores elevam o risco: metas comerciais agressivas (seguros, cartões, investimentos, crédito), cobrança diária com rankings e exposição, responsabilidade por carteiras relevantes, pressão por segurança operacional e conformidade, contato constante com o público, tratamento de fraudes, monitoramento em tempo real e, nos últimos anos, hiperconectividade no teletrabalho. Esse conjunto, quando mal administrado, transforma cobrança legítima em ambiente tóxico, com exaustão emocional, sensação de ineficácia e despersonalização.
O diagnóstico clínico é feito por profissional de saúde (psiquiatra/psicólogo), mas a tradução jurídica foca no nexo com a organização do trabalho. Não é preciso que o trabalho seja a única causa; basta que seja causa relevante (concausa).
O arcabouço jurídico trabalhista impõe ao banco três grandes obrigações:
Garantir ambiente de trabalho saudável
O dever de reduzir riscos engloba fatores psicossociais: desenho de metas realistas, intervalos efetivos, pausas, ergonomia, treinamento de gestores e canais de denúncia. Programas de saúde e segurança devem contemplar riscos mentais, não apenas físicos.
Respeitar jornada e intervalos
Para a maioria dos bancários, a jornada é de 6 horas (30 semanais). A 7ª e a 8ª horas só deixam de ser extras se houver enquadramento válido em cargo de confiança bancário, com fidúcia real e gratificação mínima de 1/3. Intervalos devem ser reais: 15 minutos até 6 horas; 1 hora acima de 6 horas (salvo ajuste coletivo válido). O direito à desconexão decorre do conjunto normativo: não há obrigação de disponibilidade permanente.
Reparar o dano quando falha
Se o banco organiza o trabalho de forma a adoecer, responde por danos morais e materiais; se a jornada e intervalos foram violados, paga horas extras e períodos suprimidos; se o burnout é ocupacional, emite CAT e respeita a estabilidade pós-benefício.
A chave é demonstrar que a organização do trabalho contribuiu de forma relevante para o adoecimento. O perito avalia:
• História laboral: metas inatingíveis, cobrança humilhante, supressão de intervalos, mensagens fora do expediente, “ponto britânico” com trabalho por fora, estornos punitivos, vigilância intrusiva.
• Exposição: intensidade e duração (meses/anos de pressão crônica).
• Proteções inexistentes: ausência de programas de prevenção, falta de ajuste de metas após afastamentos, inexistência de pausas.
• Trajetória clínica: início de sintomas após mudanças de metas, piora com supressão de almoço, afastamentos e medicações.
• Exclusão de outras causas dominantes: eventos pessoais não rompem o nexo quando a prova mostra o trabalho como fator expressivo.
Reconhecido o nexo, fala-se em acidente do trabalho por equiparação, com consequências previdenciárias e trabalhistas.
Alguns eventos que, além de alertas clínicos, viram prova:
• “Quadro da vergonha” com exposição pública dos “piores” vendedores.
• Reuniões em pleno horário de almoço (12h às 14h), diárias.
• Ordem para “bater ponto e continuar” com o headset, sob pena de “não bater meta”.
• Mensagens noturnas exigindo relatório no dia seguinte às 7h.
• Alteração de metas no meio do mês ou estornos retroativos de comissões.
• Ameaças veladas: rebaixamento, transferência punitiva, retirada de carteira “para te ajudar a focar”.
• Controle invasivo em home office (prints obrigatórios, status online permanente, ligações durante pausas).
Quanto mais mensuráveis forem os fatos (prints, e-mails, convites de reunião, logs), mais forte o mosaico probatório.
Para sustentar burnout ocupacional e os direitos correlatos, construa:
• Documentos de metas e políticas: regulamentos, e-mails com mudanças repentinas, regras de estorno, scripts de cobrança.
• Mensagens e convites: prints de WhatsApp/Teams/Slack demonstrando cobranças fora de horário, reuniões no intervalo e exposição vexatória.
• Ponto e logs: espelhos de jornada, relatórios de CRM, telefonia IP, VPN e videoconferência (horários de acesso e de reuniões).
• Testemunhas: colegas que vivenciaram a mesma rotina.
• Documentos clínicos: atestados, relatórios de psicoterapia/psiquiatria, receitas, encaminhamentos, laudos.
• CAT: se ocupacional, emita (a empresa deve; na omissão, empregado, médico ou sindicato podem emitir).
• Procedimentos internos: reportes a RH, abertura de chamados em canal de ética.
CAT e benefício por incapacidade acidentária
Emitida a CAT e reconhecido o nexo, o afastamento superior a 15 dias gera benefício por incapacidade de natureza acidentária. Isso repercute em estabilidade e outros direitos.
Estabilidade após retorno do benefício
Após a alta de benefício acidentário, o bancário tem estabilidade de 12 meses, sem dispensa sem justa causa. Se demitido nesse período, cabe reintegração ou indenização substitutiva.
Manutenção de plano de saúde e custeio de tratamento
Em caso de reintegração, restabelecimento do plano de saúde. Quando há culpa do empregador e despesas comprovadas, é possível pleitear reembolso e, em casos de sequelas, pensão (dano material).
Danos morais e existenciais
Humilhação, exposição vexatória, cobrança invasiva e adoecimento psíquico ensejam indenização. Dano existencial (supressão de vida social e familiar por jornada abusiva) pode ser cumulado.
Horas extras e intervalos
Cobrança que empurra além da 6ª (ou da 8ª, quando cargo de confiança válido), ordens para trabalhar após o ponto e reuniões no almoço geram horas extras e pagamento do intervalo suprimido.
Nulidade de punições
Advertências por “baixa performance” em metas inatingíveis ou sob doença ocupacional tendem a ser anuladas.
Rescisão indireta
Quando a conduta patronal inviabiliza a continuidade (assédio, supressão de intervalos, metas abusivas), admite-se rescisão indireta, com verbas de dispensa sem justa causa.
O home office não elimina controle de jornada. Documentos e logs podem favorecer o trabalhador ao demonstrar:
• Reuniões durante o intervalo (12h10 todos os dias).
• Mensagens fora do expediente com prazos exíguos.
• “Check-ins” de domingo e cobranças em feriados.
Boas práticas que, se ausentes, pesam contra o banco: bloqueio de convites no almoço, horário de silêncio, metas por sprint com margens de recuperação, orientação ergonômica e diretrizes de saúde mental.
| Situação/conduta | Evidência típica | Direito acionado |
|---|---|---|
| Reuniões no horário de almoço | Convites recorrentes 12h–13h | Pagamento do período suprimido; obrigação de não fazer |
| “Bate o ponto e continua” | Ponto + logs de VPN/CRM pós-expediente | Horas extras; dano moral se sistemático |
| Ranking vexatório | Fotos/prints; depoimentos | Dano moral; obrigação de cessar prática |
| Metas móveis inatingíveis | E-mails com mudança no mês | Diferença de prêmios; dano moral; prova de abuso |
| Burnout com nexo ocupacional | Laudos + CAT + prova do ambiente | Benefício acidentário; estabilidade; danos |
| Teletrabalho com cobrança 24/7 | Histórico de mensagens | Horas extras; direito à desconexão |
Horas extras
Defina a jornada legal aplicável: 6h (sem fidúcia especial) ou 8h (se cargo de confiança válido com gratificação ≥ 1/3 e poderes reais).
Some as horas além do limite diário. Para bancário sem fidúcia, 7ª e 8ª são extras.
Aplique o adicional normativo (p.ex., 50% ou o que estiver em convenção).
Reflita em DSR, férias + 1/3, 13º, FGTS.
Intervalo
Se a jornada ultrapassou 6 horas e o descanso foi de apenas 15 minutos, pague a diferença até 1 hora por dia com o adicional aplicável (ajustado ao regime temporal pertinente).
Dano moral
Não há fórmula aritmética legal. O valor deve considerar gravidade, duração, intensidade da ofensa, capacidade econômica do réu, caráter pedagógico e precedentes do foro.
Dano material/pensão
Se há incapacidade parcial e permanente, calcula-se pensão proporcional à redução da capacidade, até a expectativa de vida laboral. Quando a incapacidade é temporária, reembolsa-se tratamento, transporte e lucros cessantes do período.
Reconheça os sinais e procure atendimento
Exaustão, insônia, irritabilidade, crises de ansiedade, ideação de desistência. Busque atendimento psicológico/psiquiátrico e peça relatório identificando fatores laborais.
Formalize a comunicação
Envie e-mail ao gestor/RH mencionando recomendação clínica (sem expor detalhes sensíveis além do necessário) e solicitando ajustes (pausas, metas, horário).
Emita a CAT (se ocupacional)
Se a empresa se negar, você, o médico ou o sindicato podem emitir. Guarde o protocolo.
Organize a prova
Prints, e-mails, convites, espelhos de ponto, logs, atestados, relatórios, histórico de metas.
Ajuize ação quando necessário
Peça tutela de urgência para cessar práticas abusivas, reconhecimento de doença ocupacional, horas extras/intervalos, indenizações e, se já houve benefício, estabilidade.
Cuide da saúde no processo
Tratamento continuado, afastamentos quando prescritos, avaliação de readaptação.
Pedidos típicos
• Reconhecimento de doença ocupacional (nexo causal/concausal) e validade da CAT.
• Tutela de urgência para cessar reuniões no intervalo, mensagens fora do expediente e rankings vexatórios.
• Pagamento de 7ª e 8ª horas (se devidas), horas além da 8ª quando cabível, e intervalo suprimido, com reflexos.
• Indenização por danos morais e materiais (reembolso de tratamento, transporte; pensão se houver redução de capacidade).
• Estabilidade pós-benefício acidentário: reintegração ou indenização substitutiva.
• Nulidade de punições por “baixa performance” no contexto de abuso.
• Exibição de documentos: regulamentos de metas, memórias de cálculo de prêmios, relatórios de CRM, convites de reunião, políticas internas.
Pedidos subsidiários
Se o banco alegar cargo de confiança, impugne com prova de ausência de fidúcia real; se negar o nexo, peça prova pericial médica e ergonômica; se houver terceirização, inclua a prestadora e a tomadora (responsabilidade solidária ou subsidiária, conforme o caso).
O retorno saudável inclui:
• Ajustes de função e metas compatíveis com a capacidade atual.
• Jornada dentro do legal, com pausas e bloqueio de convites no intervalo.
• Acompanhamento por programa de saúde ocupacional e apoio psicológico.
• Proibição de retaliações (rebaixamento, retirada de carteira, isolamento).
• Avaliação periódica e possibilidade de teletrabalho quando recomendado e viável, com pactuação clara de horários.
Descumprimento dessas condições após retorno pode reativar o conflito e aumentar o passivo.
Dados de saúde são sensíveis. O empregador deve:
• Limitar o acesso aos atestados e laudos ao RH/SESMT.
• Evitar expor detalhes em grupos ou reuniões.
• Exigir apenas o necessário para justificar ausências e medidas de adaptação.
• Garantir que programas de apoio sejam voluntários e confidenciais.
Vazamento ou uso indevido de informações clínicas pode gerar responsabilidade civil adicional.
• Desenho de metas com base em dados (carteira, praça, sazonalidade), com margens de recuperação e vedação de metas móveis.
• Política explícita de saúde mental, com protocolos de pausa, intervalos e desconexão.
• Treinamento de líderes: feedback técnico, proibição de humilhação e exposição.
• Sistemas configurados para bloquear convites no intervalo e fora do expediente, salvo exceções justificadas.
• Auditoria periódica de jornadas, especialmente no teletrabalho.
• Canal de ética com anonimato, resposta rápida e proteção contra retaliação.
• Acompanhamento pós-retorno com plano individual e metas realistas.
Caso A – Reuniões diárias no almoço e “meta móvel”
Equipe com ponto pré-assinalado de 15 minutos fazia “check-in” às 12h10. Metas elevadas no meio do mês, com estornos de comissão. Dois afastamentos por burnout. Em juízo, foram reconhecidos: supressão de intervalo (pagamento integral da hora), 7ª e 8ª horas como extras (ausência de fidúcia real), dano moral pela humilhação e doença ocupacional (nexo concausal). Determinada a cessação das reuniões no almoço, sob pena de multa.
Caso B – Teletrabalho com vigilância 24/7
Home office com mensagens noturnas obrigatórias e dailies às 8h sem compensação. Logs confirmaram atividade contínua. Houve condenação em horas extras, reconhecimento de burnout ocupacional, estabilidade pós-benefício e ordem para implementar política de desconexão.
Caso C – “Cargo de confiança” sem poder real
Gerente de relacionamento com gratificação inferior a 1/3 e sem alçada decisória; jornada de 8h. Adoecimento por burnout. O juízo invalidou o enquadramento, deferiu 7ª e 8ª horas e danos morais pela cobrança abusiva; após benefício acidentário, assegurou estabilidade e readaptação.
• Não guardar prova: prints e convites são decisivos; salve-os.
• Confiar apenas em atestados: o nexo precisa do contexto laboral; documente metas, reuniões e cobranças.
• Aceitar rebaixamento punitivo: registre formalmente e busque orientação.
• Demorar a emitir CAT: pode ser emitida por você, médico ou sindicato.
• Pedir só dano moral: some horas extras, intervalo, estabilidade e dano material quando cabível.
Burnout sempre é doença do trabalho
Não. É preciso demonstrar que o trabalho contribuiu de forma relevante. A prova clínica e a prova do ambiente caminham juntas.
Sem CAT eu perco o direito
A CAT é importante, mas sua ausência não impede o reconhecimento judicial do nexo. Ainda assim, emita-a quanto antes.
Metas são ilegais
Metas não são proibidas. O abuso é que é ilícito: humilhação, metas inatingíveis, mudanças retroativas, supressão de intervalos e violação de jornada.
Trabalho em home office; não tenho controle de jornada
Há controle por meios telemáticos (VPN, sistemas, chats). Se há trabalho fora do horário, há direito a extras.
Sou “cargo de confiança”; não tenho direito a extras
Só existe cargo de confiança bancário com gratificação mínima de 1/3 e poderes reais. Sem isso, a 7ª e a 8ª horas são extras.
Recebi benefício por burnout; posso ser demitido depois
Durante o benefício, não. Após a alta, há estabilidade de 12 meses (natureza acidentária). Dispensa nesse período é nula, salvo justa causa devidamente comprovada.
Tenho vergonha de expor minha saúde mental ao RH
Você não precisa detalhar diagnóstico; apenas forneça o necessário. Os dados são sensíveis e protegidos; o empregador deve mantê-los em sigilo.
A empresa pode reduzir minhas metas porque estou em tratamento
Pode e deve ajustar metas e condições de trabalho conforme indicação médica e dever de prevenção. Não pode retaliar por isso.
Quero sair do banco; posso pedir rescisão indireta por burnout
Se a organização do trabalho for abusiva e persistir após notificações, a rescisão indireta é possível. Prova robusta é essencial.
Posso acumular dano moral com horas extras e estabilidade
Sim. São fundamentos e naturezas distintas; podem ser cumulados quando presentes.
Burnout no setor bancário não é “mimimi” nem assunto privado da clínica: é, frequentemente, o sintoma mais visível de falhas de organização do trabalho — metas irreais, cobranças humilhantes, supressão de intervalos, violação de jornada e hiperconectividade sem freio. Quando o nexo ocupacional se configura, o sistema jurídico oferece respostas claras e efetivas: CAT, benefício acidentário, estabilidade de 12 meses após o retorno, horas extras e intervalos, indenizações por danos morais e materiais, nulidade de punições e, se necessário, rescisão indireta. O caminho do bancário passa por reconhecer sinais, buscar atendimento, documentar o ambiente de trabalho, emitir a CAT e, se preciso, acionar o Judiciário com pedidos bem estruturados.
Para os bancos, a mensagem é igualmente objetiva: prevenir é mais barato e mais humano. Metas sustentáveis, líderes treinados, pausas respeitadas, bloqueio de convites no almoço, política de desconexão, suporte psicológico e readaptação não são “benefícios”; são deveres legais que reduzem passivo e protegem pessoas. Onde a cultura de performance se equilibra com saúde e dignidade, o resultado melhora de forma sustentável. Onde se insiste na pressão cega que adoece, a Justiça do Trabalho recoloca os limites — e apresenta a conta.
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