Teletrabalho e home office, após a reforma trabalhista e as atualizações de 2022, significam trabalhar fora das dependências do empregador com apoio de tecnologias, inclusive no modelo híbrido, mantendo todos os direitos trabalhistas (salário, FGTS, férias, 13º, adicionais) e impondo deveres de ambas as partes: o contrato deve ser escrito e especificar atividades, regras de jornada e comunicação; a empresa responde por equipamentos e reembolso de despesas conforme pactuado; a jornada pode ser controlada quando o trabalho é por “horário” e, se for por produção ou tarefa, a regra de horas extras não se aplica; o empregador pode determinar o retorno ao presencial com aviso mínimo de 15 dias; há prioridade legal para alocar em teletrabalho pessoas com deficiência e quem tenha filhos de até 4 anos; e as normas coletivas aplicáveis são as do estabelecimento de lotação do empregado, mesmo que ele more em outra cidade.

O que a lei considera teletrabalho e como isso se distingue do “home office”

O termo jurídico é teletrabalho (ou trabalho remoto). Desde 2022, a definição abrange a prestação de serviços fora da empresa “de maneira preponderante ou não”, com uso de tecnologias da informação e comunicação, permitindo abarcar o regime híbrido. Já “home office” é expressão de uso corrente para o teletrabalho realizado na residência do empregado, mas juridicamente ambos se enquadram no mesmo capítulo da CLT, salvo quando a atividade, pela natureza, é trabalho externo (vendas de rota, por exemplo) que não se confunde com teletrabalho.

O arcabouço normativo após a Reforma de 2017 e a Lei 14.442/2022

A Reforma (2017) incluiu os arts. 75-A a 75-E na CLT, exigindo contrato escrito e tratando de equipamentos e saúde e segurança. Em 2022, a Lei 14.442 detalhou aspectos essenciais: admitiu o híbrido; autorizou teletrabalho por jornada ou por produção/tarefa; esclareceu que o comparecimento eventual ou habitual para atividades específicas não descaracteriza o teletrabalho; permitiu teletrabalho para estagiários e aprendizes; fixou que as normas coletivas aplicáveis são as do estabelecimento de lotação do empregado; e previu prioridade para pessoas com deficiência e responsáveis por crianças até 4 anos, entre outros pontos.

Contrato escrito: conteúdo mínimo e boas práticas

O contrato deve indicar expressamente a adoção do teletrabalho, descrever atividades, definir responsabilidade por aquisição e manutenção de equipamentos, reembolso de despesas (internet, energia, mobiliário ergonômico quando aplicável), normas de segurança da informação e LGPD, além dos horários e meios de comunicação assegurando repousos legais. A lei exige que essas disposições constem por escrito e que o empregador instrua, “de modo expresso e ostensivo”, sobre prevenção de doenças e acidentes no ambiente remoto.

Jornada, controle de horário e direito à desconexão

Teletrabalhadores podem ser enquadrados em dois regimes distintos:

  1. Por jornada: há controle de ponto (eletrônico, login, sistemas), pagamento de horas extras e observância de intervalos.

  2. Por produção ou tarefa: nesses casos específicos, a regra geral de horas extras do Capítulo da CLT sobre duração do trabalho não se aplica (art. 62, III).

A lei também esclarece que o uso de equipamentos e aplicativos fora da jornada, por si, não conta como tempo à disposição, salvo ajuste individual ou coletivo que estabeleça o contrário. É recomendável que o contrato ou a norma interna defina janelas de disponibilidade, canais oficiais e política de desconexão para evitar convocações abusivas.

Equipamentos, infraestrutura e reembolso de despesas

A regra é simples: quem paga, como paga e o que é reembolsado precisa estar no contrato. Os itens fornecidos e os reembolsos não têm natureza salarial, quando vinculados ao desempenho do trabalho. A jurisprudência tem reconhecido reembolso de despesas comprovadas, como internet essencial ao trabalho, quando o contrato ou a prática empresarial imponham tal custo ao empregado.

Saúde, ergonomia e segurança da informação

Mesmo fora da empresa, valem as normas de saúde e segurança do trabalho. O empregador deve orientar expressamente sobre montagem do posto (altura de cadeira e mesa, iluminação, pausas), riscos ergonômicos e cibersegurança. Treinamentos, checklists ergonômicos e políticas de proteção de dados são parte do dever de prevenção. A LGPD impõe medidas técnicas e administrativas para proteger dados pessoais manipulados em casa: criptografia, VPN, controle de acessos e sigilo.

Híbrido sem mistério: comparecer à empresa não descaracteriza o teletrabalho

Uma dúvida comum era se ir à empresa “quebrava” o teletrabalho. A lei resolveu: mesmo que o comparecimento seja habitual para atividades específicas (reuniões, treinamentos ou uso de laboratórios), isso não descaracteriza o regime remoto. O que define é o desenho contratual e a natureza tecnológica do trabalho, não a exigência pontual de presença.

Prioridade legal para alocação em teletrabalho

Empregadores devem dar prioridade na alocação em teletrabalho ou remoto a pessoas com deficiência e a empregados com filhos ou crianças sob guarda judicial de até 4 anos, quando houver atividades compatíveis. Trata-se de preferência legal, que não afasta requisitos técnicos da função, mas orienta decisões de RH e escalas.

Teletrabalho para estagiários e aprendizes

O regime remoto é permitido para estagiários e aprendizes, desde que previsto no instrumento próprio de estágio ou aprendizagem, com a mesma atenção a ergonomia, acompanhamento e registro de atividades.

Onde se aplicam normas coletivas e leis locais

Para evitar conflito entre bases sindicais, a CLT definiu que a legislação local e as convenções e acordos coletivos que se aplicam ao teletrabalhador são as do estabelecimento de lotação do empregado, ainda que ele resida em outro município ou estado. Isso dá previsibilidade às empresas com quadros distribuídos geograficamente.

Retorno ao presencial e reversibilidade

Há dois movimentos distintos:

Mudança do presencial para o remoto: exige mútuo acordo e aditivo contratual.
Mudança do remoto para o presencial: pode ser determinada pelo empregador, respeitado o aviso mínimo de 15 dias e o correspondente aditivo contratual.

Se o empregado optou por residir fora da localidade prevista no contrato e, por isso, o retorno gera custos relevantes, a lei prevê que o empregador não responde por essas despesas, salvo ajuste em contrário.

Trabalho remoto no exterior: qual lei se aplica

Ao empregado admitido no Brasil que opte por realizar teletrabalho fora do território nacional aplicam-se, como regra, a legislação trabalhista brasileira e as exceções da Lei 7.064/1982, salvo disposição em contrário entre as partes. Essa cláusula exige cuidado contratual específico, inclusive sobre moeda, foro e questões tributárias.

Tabela comparativa: teletrabalho, home office, trabalho externo e telemarketing

ModalidadeConceito jurídicoControle de jornadaNormas coletivas aplicáveisObservações-chave
TeletrabalhoTrabalho fora da empresa, com TICs, preponderante ou nãoPode haver controle; por produção/tarefa aplica-se art. 62, IIIDa base territorial do estabelecimento de lotaçãoComparecimento à empresa não descaracteriza; contrato escrito obrigatório
Home officeTeletrabalho realizado na residênciaIdem teletrabalhoIdem teletrabalhoTermo popular, mesmo regime jurídico
Trabalho externoAtividade incompatível com controle de horárioEm regra, art. 62, I (sem controle)Do estabelecimento de lotaçãoNão é teletrabalho (não depende de TICs)
Telemarketing/teleatendimentoAtendimento via call centerRegras específicas de pausas e ergonomiaNormas da categoriaNão se confunde com teletrabalho por definição legal

Direitos típicos do teletrabalhador

São devidos salário, FGTS, 13º, férias com 1/3, adicionais (noturno, insalubridade/periculosidade quando presentes), DSR, reajustes previstos em norma coletiva e, conforme o regime, horas extras. Benefícios convencionais (vale-refeição, plano de saúde, auxílio-creche etc.) seguem o que a norma coletiva ou a política interna determinar para a função. Não há “desconto” de direitos por trabalhar de casa.

Deveres do teletrabalhador

Cumprir horários e prazos quando a modalidade for por jornada; zelar pelos equipamentos; manter sigilo e seguir protocolos de LGPD; preservar as condições ergonômicas; comunicar incidentes de segurança da informação e acidentes de trabalho; observar as políticas de TI e de uso de dados; e respeitar os canais e janelas de comunicação pactuados.

Deveres do empregador

Formalizar o contrato e aditivos; fornecer ou reembolsar a infraestrutura pactuada; instruir de forma expressa e ostensiva sobre saúde e segurança; fiscalizar o cumprimento das políticas (sem invadir a privacidade); definir critérios de controle de jornada compatíveis com o remoto; atualizar o PGR/PCMSO à realidade hídrida; adotar salvaguardas de LGPD e segurança da informação; seguir as normas coletivas do estabelecimento de lotação.

Como montar um contrato robusto de teletrabalho

Elementos úteis: descrição de atividades; endereço de prestação (quando aplicável); regime de jornada (por horário ou por produção/tarefa); ferramentas e equipamentos; reembolso de despesas com critérios objetivos (franquia de internet, energia, mobiliário); política de comunicação (janelas, canais, prazos de resposta); privacidade e proteção de dados; orientações de ergonomia; hipóteses de reversibilidade e aviso mínimo; foro e aplicação de normas coletivas pelo estabelecimento de lotação.

Jornada por produção ou tarefa: quando faz sentido e como não virar passivo

É indicada para atividades mensuráveis por entregas (ex.: rotulagem de dados, revisão de conteúdo, processamento de lotes). Deve haver metas claras e indicadores verificáveis. Erros comuns: exigir conexão contínua ou presença em reuniões fixas (o que descaracteriza o regime por tarefa e aproxima do controle de jornada), ou impor horários rígidos sem registro formal. Se houver controle de fato, é prudente migrar para regime por jornada com ponto eletrônico.

Ponto eletrônico em home office: possibilidades reais

Soluções de ponto por aplicativo, login integrado ao SSO corporativo ou “ponto por exceção” (quando autorizado em norma coletiva) são alternativas. O importante é evitar sobreposição entre monitoramento de produtividade e controle invasivo de privacidade: registre a jornada, não a vida do trabalhador. Em qualquer modelo, respeite intervalos e o direito ao repouso.

Custos do retorno presencial quando o empregado mudou de cidade

Se o teletrabalho foi exercido fora da localidade prevista no contrato por opção do empregado e a empresa determina retorno ao presencial, a legislação afasta, como regra, a responsabilidade do empregador por despesas de retorno, salvo se houver ajuste diferente entre as partes. Por isso, mudanças de residência durante o remoto devem ser previamente alinhadas.

Teletrabalho e acidentes: prevenção e comunicação

Eventuais acidentes domésticos relacionados ao trabalho remoto exigem prova do nexo. A prevenção começa no contrato (orientação expressa) e segue em programas de saúde e ergonomia. Em caso de ocorrência, o empregador deve registrar a CAT quando houver indícios de relação com o trabalho, enquanto o empregado deve comunicar imediatamente, documentar o local e buscar atendimento.

Exemplos práticos

Exemplo 1: Analista de dados por jornada. Contrato prevê horário das 9h às 18h, intervalo de 1h, ponto por app, reembolso de internet até valor X, cadeira ergonômica fornecida pela empresa, diretriz de “silêncio digital” após as 19h, salvo emergência autorizada. Quando há reunião noturna pontual, o gestor registra o ajuste com compensação no dia seguinte.

Exemplo 2: Redator por tarefa. Sem controle de ponto; metas de artigos por semana; reuniões assíncronas por vídeo gravado; prazos claros. Convocações para reuniões fixas diárias levaram o RH a reavaliar o regime, migrando para jornada para evitar risco de passivo.

Exemplo 3: Engenheira residente em outra cidade. O contrato indica lotação em São Paulo, com duas idas mensais ao escritório. Anos depois, a empresa decide retorno gradual ao presencial com 15 dias de aviso e aditivo. Custos de mudança não são do empregador, pois a residência fora da localidade de lotação foi opção da empregada.

Checklist para o empregado

Verifique se seu contrato indica expressamente o teletrabalho e descreve atividades.
Confirme seu regime: jornada ou produção/tarefa.
Guarde comprovantes de despesas reembolsáveis.
Siga as orientações ergonômicas e de segurança da informação.
Não ceda a convocações fora do horário sem acordo; documente desvios.

Checklist para o empregador

Mantenha modelos contratuais atualizados à Lei 14.442/2022.
Defina política de comunicação e desconexão.
Instrua de forma expressa sobre saúde e segurança (com registros).
Implemente controle de jornada adequado ou, se por tarefa, evite convocações fixas.
Observe a prioridade legal para PCD e responsáveis por crianças até 4 anos quando houver compatibilidade.

Perguntas e respostas

Teletrabalho e home office são a mesma coisa?
Do ponto de vista jurídico, sim: ambos se enquadram no regime de teletrabalho da CLT. “Home office” é o local (a casa), enquanto teletrabalho é a modalidade legal, inclusive para híbrido.

Sou remoto por tarefa. Tenho direito a horas extras?
Em regra, não. Quando a prestação é por produção ou tarefa, aplica-se a exceção do art. 62, III, que afasta a disciplina de horas extraordinárias do capítulo de jornada.

A empresa pode me chamar de volta ao presencial?
Pode, com aviso mínimo de 15 dias e aditivo contratual, respeitando demais direitos. A ida do presencial para o remoto, entretanto, exige acordo mútuo.

Trabalho remoto, mas vou ao escritório toda semana. Perco direitos?
Não. O comparecimento, mesmo habitual, para atividades específicas, não descaracteriza o teletrabalho.  

Quem paga internet e energia?
Depende do contrato. A CLT manda pactuar por escrito a responsabilidade por equipamentos e infraestrutura, e tribunais têm reconhecido reembolsos de despesas indispensáveis quando exigidas para o trabalho.

Moro em uma cidade e sou lotado em outra. Qual acordo coletivo vale?
Valem a legislação local e as normas coletivas do estabelecimento de lotação do empregado, mesmo que ele resida em outro município ou estado.

Tenho filho de 3 anos. Posso exigir teletrabalho?
A lei prevê prioridade para alocação em teletrabalho quando a atividade for compatível, não um direito absoluto à escolha do regime. Dialogue com o RH e registre seu pedido.

Sou brasileiro e quero trabalhar do exterior. Qual lei se aplica?
Em regra, a legislação trabalhista brasileira, com ressalvas da Lei 7.064/1982 e do que as partes ajustarem. É indispensável orientar-se também quanto a impactos tributários e migratórios.

Conclusão

O teletrabalho no Brasil amadureceu juridicamente. A Reforma de 2017 inaugurou um capítulo próprio na CLT, e a Lei 14.442/2022 fechou lacunas: reconheceu o híbrido, diferenciou claramente jornada versus produção/tarefa, tratou de reembolsos e responsabilidade por infraestrutura, fixou prioridade para situações de vulnerabilidade social e pacificou a aplicação de normas coletivas pelo estabelecimento de lotação. Na prática, o que dá segurança é o desenho contratual e a coerência entre a rotina e o que está pactuado.

Para trabalhadores, a chave é entender seu regime e guardar evidências: contratos, aditivos, comprovantes de despesas, instruções de saúde e segurança, convocações fora de horário. Para empresas, o caminho é governance: contratos claros, políticas de comunicação e desconexão, ergonomia, LGPD, controle de jornada compatível e respeito às prioridades legais. Com esse roteiro, o teletrabalho deixa de ser improviso e vira estratégia — eficiente, humana e juridicamente sólida.

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